quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Armênia em Debate

Uma tragédia relembrada pelo cinema e suas vítimas
O genocídio armênio, a maior tragédia na história desse povo comprimido entre quatro países na junção da Europa e a Ásia – a chamada Eurásia – ainda não é fato de completo domínio público, exceto em momentos em que novos lances políticos relacionados vêm à baila. Essa foi a idéia geral que motivou os quatro participantes do debate ocorrido no início da noite de segunda-feira, dia 22, no lounge do Clube da Mostra. Participaram da conversa as diretoras Eileen Thalenberg e Carla Garapedian, realizadoras respectivamente dos documentários A Longa Volta para Casa e Screamers, a professora de Língua Armênia na USP Lusine Yeghiazarian e Leon Cakoff, diretor da Mostra, que mediou o encontro também como voz ativa pela ascendência armênia.

Em pauta, a abordagem direta ou indireta nesses e em outros filmes exibidos na 31ª Mostra do extermínio perpetrado pelos turcos – e não reconhecido oficialmente por eles – entre 1915 e 1923. Nesse período de declínio do Império Otomano, eles teriam dizimado entre 1 a 1,5 milhão de armênios, dependendo da estatística escolhida. O assunto também ganhou a adesão recente dos italianos Paolo e Vittorio Taviani (A Casa das Cotovias), dos armênios Don Askarian (Ararat – 14 Visões) e Maria Saakyan (O Farol) e do francês Robert Guédiguian (Armênia).

Cakoff deu início à discussão chamando a atenção para a escolha aparentemente singela e constante da música nos filmes armênios e especialmente naqueles ali representados, tornando-se nesses casos protagonista. A Longa Volta para Casa acompanha a cantora de ópera Isabel Bayrakdarian em sua primeira viagem à Armênia, terra de seus antepassados. Screamers focaliza a popular banda de rock System of a Down em seu papel atuante de fazer valer o reconhecimento oficial do genocídio. Carla Garapedian, armênia que cresceu nos Estados Unidos, trabalhou na BBC como correspondente de guerra e se dedica ao tema de direitos humanos e genocídios, justificou que escolheu a música para apontar como é a relação hoje do jovem armênio com o assunto. “Não quis abordar o genocídio e o êxodo de forma direta, porque isso é muito difícil e pessoal de cada um de nós”, disse, referindo-se ao seu povo.

Eileen Thalenberg, de ascendência judaica e sem laços de parentesco com a Armênia, conheceu o país e se apaixonou pela cultura em geral e especificamente pela música sacra, interesse que resultou no documentário. “Fiquei fascinada como um povo que passou por aquele trauma valoriza e faz questão de manter um alto grau de cultura; não há uma noite sem um concerto para se assistir; eu tive então que abraçar essa causa”, explicou. A professora Lusine Yeghiazarian confirmou essa vocação cultural do país onde nasceu e falou da importância de abrir canais para esclarecer as novas gerações do ocorrido. E contou uma passagem: “É muito difícil atrair jovens aqui interessados em aprender o armênio na universidade; mas foi só afixarmos um cartaz para a comunidade de São Paulo sobre o System of a Down e muitos apareceram”, lembrou. “Os jovens têm que ter o olhar deles sobre o genocídio.”

O tópico que gerou maior debate foi a recente aprovação no Congresso americano, por uma margem apertada de 27 votos a favor e 21 contra, do reconhecimento oficial do extermínio e suas implicações no jogo de interesses global. “Bush não quer essa aprovação com medo de contrariar o governo turco, pois precisa do país como aliado para invadir o Iraque; por sua vez, a Turquia pressiona e nega o apoio à invasão enquanto houver chance desse reconhecimento”, lembrou Cakoff. Carla complementou explicando que desde o final do massacre há uma política constante de negação por parte da Turquia e também de posições alternantes de países europeus. Essa atitude varia da neutralidade e do não comprometimento, casos da França e da Rússia – que tomou conta do país na época do comunismo –, à hipocrisia, a exemplo, segundo ela, da Inglaterra. Lusine pontua ainda que essa posição da Turquia terá que ser revista rapidamente: “O país quer entrar na Comunidade Européia e esta já declarou que para isso o governo turco terá que aceitar o reconhecimento”.

Outra força no mesmo sentido parte de intelectuais turcos que já se expressam a favor dessa aceitação, a exemplo do prêmio Nobel de literatura Orhan Pamuk. “Eles são favoráveis pela idéia de que, para se livrar desse fardo, é melhor aceitá-lo”, disse Carla. “O problema é que na Turquia há uma lei que proíbe comentar o genocídio, caso contrário pode se sofrer um processo”. Em alguns casos, como lembra a diretora, a perseguição vai mais longe. O jornalista turco Hrant Dink deu depoimento favorável ao reconhecimento do genocídio em Screamers e em janeiro deste ano foi assassinado.

Tanto as realizadoras quanto a professora fizeram questão de frisar que filmes, livros ou qualquer outra forma de representação da tragédia armênia não devem ser considerados apenas nesse âmbito. “Eu não faço filmes políticos e sim sociais, para mostrar que pela arte, por exemplo, pode-se mudar muita coisa; vocês têm aqui o exemplo do trabalho do bailarino Ivaldo Bertazzo, com quem colaborei”, apontou Eileen. Carla citou a exibição de seu filme em Hamburgo, na Alemanha, para lembrar que os jovens presentes nunca tinham ouvido falar do extermínio armênio: “Isso porque a corte de Berlim foi a primeira a julgar, em 1933, os criminosos da guerra, que começou quando minorias da região como os armênios passaram a reivindicar mais liberdade; alguns poucos foram condenados e nada mudou muito desde então”. Lusine finaliza: “Um genocídio é uma tragédia da humanidade, e não só de um povo, como no caso armênio; temos que condenar essa prática para que ela não se perpetue”.

Fonte: Site da Mostra Internacional de Cinema

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