quinta-feira, 26 de abril de 2007

Folha turismo

Veja os textos da matéria da Folha Turismo de 26/04/2007:
Igrejas guiam passeio por herança armênia em SP

24 de abril é lembrado por esse povo como o início do genocídio perpetrado pelos turco-otomanos

RENATA SUMMA
COLABORAÇÃO PARA FOLHA

Desde 1988, São Paulo escolheu o dia 24 de abril para homenagear a comunidade armênia paulista. A escolha da data não foi um mero acaso. O dia 24 de abril é lembrado pelos armênios como o início do genocídio perpetrado contra eles pelos turco-otomanos, em 1915 (leia na pág. F6). Anteontem, no mundo todo, armênios levaram flores a monumentos em homenagem aos mortos. Em São Paulo não foi diferente. Com uma comunidade de cerca de 30 mil armênios e descendentes, a cidade possui seu monumento em Homenagem aos Mártires, na avenida Santos Dumont, ao lado da estação Armênia do metrô.
O monumento, revestido de granito preto, foi inaugurado no dia 24 de abril de 1966. A parte de bronze em alto relevo, que representava a fuga do povo armênio dos massacres, foi roubada há menos de um ano. Na semana do dia 24 de abril, uma pequena multidão (vinda dos três templos religiosos armênios dessa região) pára a avenida rumo ao monumento.

Igrejas e monumentos
Como o nome diz, a região da estação Armênia é o local de São Paulo onde é mais fácil notar a presença desse povo na cidade. Dentro da estação, que recebeu o nome atual em 1985, há o memorial Armênia. Do outro lado da avenida, fica a igreja Central Evangélica Armênia, onde há uma "khatchkar", ou cruz de pedra, obra de arte típica de Armênia. Para conhecer o local, agende visita.
Um símbolo da presença armênia em São Paulo é a igreja Apostólica Armênia, a poucas quadras da estação de metrô. As missas acontecem às 10h30 da manhã de domingo. Para entrar no templo fora desse horário é necessário agendar visita. Do outro lado da avenida está a igreja São Gregório Iluminador, católica, mas com missa em língua armênia. Para conhecer melhor o país, o Centro Cultural São Paulo receberá, de 19/5 a 10/6, a exposição "Armênia -15 anos de independência", com 90 imagens feitas por Manuk Poladian por ocasião da celebração da independência Armênia com relação à União Soviética, da qual foi uma república por 70 anos.
ESTAÇÃO ARMÊNIA - Rua Pedro Vicente, 47; tel.: 0/xx/ 11/3283-5228;
www.metro.sp.gov.br

IGREJAS - Central Evangélica Armênia: av. do Estado, 1191; tel: 0/xx/11/ 3227-6969; Apostólica Armênia: av. Santos Dumont, 55; tel: 0/ xx/11/ 3326-0758; São Gregório Iluminador: av. Tiradentes, 718;
www.armenia.com.br

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO - av. Pedro Álvares Cabral, 201; tel: 0/xx/11/3886-6122;
www.al.sp.gov.br

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO - r. Vergueiro, 1000; tel: 0/xx/11/ 3383-3452
www.centrocultural.sp.gov.br
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"Bastrmá" vai à mesa em dois endereços

Carne seca típica e outras receitas vindas de lá estrelam menu da Casa Garabed e do Carlinhos Restaurante

COLABORAÇÃO PARA FOLHA

Localizado há 56 anos em uma das ladeiras do bairro de Santana, a Casa Garabed (www.casagarabed.com.br) é o restaurante armênio mais tradicional de São Paulo.
O estabelecimento fica em uma casa simples, sem placa na porta e em uma estreita rua residencial. Mas não se impressione com a simplicidade do local. De dentro de seu forno a lenha saem deliciosas esfihas feitas a partir de 16 ingredientes, que agradam os paladares mais exigentes, como, por exemplo, a esfiha de carne, coberta com alho picado e azeite de oliva, ou a de queijo com cebola refogada na manteiga. Opção mais típica é a esfiha de queijo com "bastrmá", a carne seca tipicamente armênia. Além de bem salgadinho, o "bastrmá" é temperado com uma espécie de creme feito com temperos típicos daquela região, como cominho e chaman, o que deixa a carne extremamente saborosa.
O restaurante oferece ainda o arroz armênio, preparado com grão de bico e "snobr" (que os europeus chamam de pinóli), abobrinhas recheadas e pratos mais conhecidos por meio da culinária árabe, como quibe cru, coalhada e homus.
Tudo feito de acordo com as receitas trazidas da Armênia pelo então jovem Garabed, que desembarcou no Brasil na década de 1920 com um livro de receitas da sua terra. Hoje é Roberto Deyrmendjan, filho de Garabed, que comanda a casa. Não longe dali, no bairro do Pari, está outro restaurante que também se destaca pela boa culinária armênia, o Carlinhos Restaurante (www.carlinhosrestaurante.com.br), que funciona há quase 40 anos.
O proprietário, na verdade, chama-se Missak Yaroussalian, mas quando chegou ao Brasil, vindo da Síria com sua família armênia, virou Carlinhos, nome que adota até hoje. O restaurante é um empreendimento familiar, onde trabalham a mulher de Carlinhos e os dois filhos. O carro-chefe da casa também é o "bastrmá", mas dessa vez servido com ovos fritos de gema mole e uma cestinha de pão sírio.
Delicioso. Yaroussalian conta que aprendeu as receitas com a mãe, a sogra e a avó. "Está no sangue", comenta, dando risadas. Outro prato que merece ser provado é o arais, uma criação do proprietário quando ele tentava preparar uma esfiha: é um pão sírio crocante recheado de kafta temperado, frito na chapa sem óleo.
O restaurante aceita encomendas para preparar um cordeiro inteiro recheado, com arroz e amêndoas na manteiga. Antes de ir ao forno, o cordeiro fica mergulhado no vinho. São necessários cinco dias para prepará-lo. O prato serve de 10 a 12 pessoas. (RENATA SUMMA)
CASA GARABED
R. José Margarido, 216, Santana; tel: 0/xx/11/6976-3943
www.casagarabed.com.br

CARLINHOS RESTAURANTE
R. Rio Bonito, 1641, Pari; tel: 0/ xx/11/3315-9474
www.carlinhosrestaurante.com.br
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Sobrenomes quase sempre acabam em "ian"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Sarkisian, Nercessian, Gasparian, Agassian... Os sobrenomes armênios são facilmente identificáveis, pois a grande maioria termina com o sufixo "ian", que, em armênio, significa "filho de" ou "oriundo de". "Tudo depende do significado da primeira parte do sobrenome. O significado mais comum é o "filho de", pois a maioria dos sobrenomes fazem referência à profissão do patriarca da família", explica a professora de língua e cultura armênia da Universidade de São Paulo, Mônica Nalbandian.
Dessa forma, o sobrenome "Vosgueritchian", por exemplo, significa filho de ourives. Já "Najarian" quer dizer filho de carpinteiro.
O sobrenome também pode marcar o local de origem da família, como, por exemplo, em "Sivaslian": oriundo da cidade de Sivas.
Muitos armênios da diáspora mudaram o sobrenome para se adaptar mais facilmente ao país a que chegavam ou por medo de perseguição. Na Rússia, por exemplo, muitos trocaram o "ian" pelo "ov". Já na Turquia, o final foi trocado por "oglu".
(RENATA SUMMA)
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Genocídio ainda é negado pela Turquia

Armênios chegaram ao Brasil no final do século 19; movimento se tornou significativo a partir de 1923

COLABORAÇÃO PARA FOLHA

Os primeiros registros da presença armênia no Brasil remontam ao final do século 19, mas a maioria das famílias armênias hoje instaladas em São Paulo chegou a partir de 1923.
Na época, o Império Otomano havia acabado de ruir, e Mustafá Kemal, conhecido como o pai da Turquia moderna, proibiu o retorno dos armênios expulsos de suas casas durante a Primeira Guerra Mundial.
Durante essa guerra, o Comitê União e Progresso (ou Jovens Turcos, como ficaram conhecidos os então dirigentes do império) protagonizou um massacre contra a minoria armênia do Império Otomano, iniciado em 1915 e no qual, segundo fontes armênias e muitos historiadores, 1,5 milhão de armênios morreram.
O massacre foi considerado um genocídio pela ONU, pelo Parlamento Europeu e por ao menos 20 países. A Turquia até hoje não reconhece o genocídio, dizendo que as vítimas armênias (estimadas, em 1919, em 800 mil) morreram por causa das duras condições a que estavam expostos os cidadãos otomanos na guerra.

Chegada ao Brasil
"Os armênios que haviam escapado chegaram ao Brasil porque queriam vir para a "América". Mas, em geral, a idéia de América que eles tinham era a da América do Norte", afirma Hagop Kechichian, professor-doutor especialista em história armênia. Os que aqui chegaram são apenas uma pequena parte da diáspora da população. Hoje existem mais armênios e descendentes espalhados pelo mundo do que no próprio país.
Por serem cidadãos otomanos, muitos armênios que chegavam em São Paulo eram chamados de turcos, o que os deixava furiosos.
Estabeleceram-se inicialmente no centro da cidade, na região da rua 25 de Março. A grande maioria exercia atividades relacionadas ao comércio e a pequenas indústrias. Hoje, os armênios e descendentes se espalham por São Paulo. Mas ainda existe uma região conhecida como Armênia, onde ficam a estação Armênia de metrô, os três templos religiosos, a praça Armênia e monumentos em homenagem a esse povo.

Reivindicação
Mesmo pequena, a comunidade do país aqui sabe reivindicar seus direitos. Foi assim que, em 1988, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo instituiu o dia 24 de abril como "dia de solidariedade para com o povo armênio", data que, em 2003, foi transformada em "dia de homenagem ao 1,5 milhão de mártires armênios, vítimas do genocídio de abril de 1915".
A dispersão provocada pelas sucessivas repressões aos armênios no Império Otomano criou comunidades organizadas que lutam pelo reconhecimento do genocídio por parte do governo da Turquia. Em países como Estados Unidos e Argentina, é comum, nessa época, mobilizações exigindo esse reconhecimento.
O caso mais famoso é o da França, onde, no ano passado, a Assembléia Nacional aprovou uma lei que proíbe a negação do genocídio em questão.
Na Turquia, porém, o assunto continua sendo tabu e há até um artigo da Constituição do país, o 301, que determina que toda pessoa que ofender o país ou o povo turco pode ser processada. Vítima do artigo foi o prêmio Nobel de Literatura de 2006, o turco Orhan Pamuk, processado após afirmar que "30 mil curdos e 1 milhão de armênios foram mortos nessas terras e ninguém ousa falar disso exceto eu". Outra vítima foi o jornalista de origem armênia Hrant Dink, morto em Istambul por um nacionalista turco em janeiro. (RENATA SUMMA)