domingo, 20 de maio de 2007

Artigo de historiadores

É preciso condenar o genocídio armênio

Daniel Sokatch* e David N. Myers**

Este ano, o Congresso dos Estados Unidos estabeleceu a data de 15 de abril como o Dia do Holocausto, para lembrar o genocídio dos judeus europeus pelos nazistas. Nove dias depois, em 24 de abril, os armênios de todo o mundo também recordaram a sua grande tragédia: o massacre, iniciado em 1915, de 1,5 milhão de armênios pelos turcos.

Sob muitos aspectos, este foi o primeiro genocídio do século 20, que deu base para o Holocausto, como também Ruanda e hoje Darfur. Adolf Hitler teria dito, às vésperas da invasão da Polônia, em 1939: 'Afinal, quem fala hoje do extermínio dos armênios?'

Nos últimos 60 anos, a comunidade judaica trabalhou para evitar que se garantisse a Hitler, nas palavras do filósofo Emil Fackenheim, 'uma vitória póstuma'. Os judeus adotaram como lema a expressão 'Nunca novamente' e muita gente tende a achar que essa palavra de ordem se refere a toda a humanidade e não só aos judeus.

Um dos últimos líderes sobreviventes do levante do Gueto de Varsóvia, Simha Kazik Rotem, disse certa vez que, para ele, a principal lição do Holocausto era de que o povo judeu deveria permanecer vigilante contra atos genocidas em relação a qualquer povo.

Por isso é preocupante que algumas importantes organizações judaicas tenham se unido em apoio às tentativas da Turquia para impedir que o Congresso dos Estados Unidos reconhecesse o massacre dos armênios como um ato de genocídio. A Liga Antidifamação (ADL, pelas iniciais em inglês), o Comitê Judaico Americano (AJC), o Instituto Judaico para Assuntos de Segurança Nacional (Jinsa) e também o B'nai B'rith International divulgaram recentemente uma carta da comunidade judaica turca se opondo a uma resolução que reconheça o genocídio. E a ADL e o Jinsa juntaram a ela seus próprios comunicados, afirmando a sua oposição e sugerindo que o massacre dos armênios é assunto para historiadores, e não legisladores, decidirem.

A comunidade judaica americana insistiu, corretamente, que o Congresso dos Estados Unidos, as Nações Unidas e órgãos governamentais americanos relembrassem oficialmente o Holocausto. Por que os judeus também não insistiram neste caso, especialmente diante do consenso generalizado existente entre os estudiosos de que aquilo que aconteceu com os armênios de 1915 a 1923 foi genocídio?

Afinal de contas, o homem que cunhou o termo 'genocídio' para se referir ao Holocausto - o advogado judeu polonês Raphael Lemkin - citou os massacres contra os armênios como um precedente. A infeliz e bem conhecida resposta à questão é que a Turquia foi ferozmente contra os esforços para definir como 'genocídio' os massacres dos armênios. Além disso, requereu a seus amigos que ajudassem a rechaçar as tentativas no sentido de um reconhecimento histórico.

A oposição judaica a que se reconheça o genocídio de armênios decorre sobretudo de um desejo de salvaguardar o importante relacionamento estratégico entre Turquia e Israel. Isolada entre as nações muçulmanas do mundo, a Turquia criou laços econômicos, políticos e militares com Israel. Além disso, os judeus lembram com imensa gratidão que a Turquia foi um importante refúgio para seus antepassados que fugiam das perseguições, desde os tempos da expulsão espanhola, em 1492, até os dias sombrios do nazismo, e além.

E não é só o fato de a Turquia ter sido complacente com Israel e os judeus. Ela também é uma aliada importantíssima dos Estados Unidos numa região perigosa atormentada pelo extremismo religioso.

Ninguém está sugerindo que os judeus esqueçam sua amizade histórica com a Turquia. Mas é um erro dos judeus - e, neste caso, de qualquer pessoa - renunciar à obrigação moral imperativa de condenar o genocídio na esperança de evitar uma perceptível, mas absolutamente necessária, perda estratégica.

Similarmente, seria um erro a Turquia colocar seus próprios interesses estratégicos na dependência da negação de atos criminosos passados.

Aceitar o passado, como a Alemanha democrática fez depois do Holocausto, e a África do Sul fez após o fim do apartheid, é o melhor caminho para a legitimidade política.

A Turquia, amiga e aliada de confiança dos judeus e dos Estados Unidos, precisa aceitar o seu passado para o seu próprio bem. É esta batalha que importantes intelectuais turcos estão empreendendo de maneira tão nobre. Entre eles está o laureado com o Prêmio Nobel de Literatura Orhan Pamuk - e estava, até janeiro, quando foi assassinado em Istambul, o ativista armênio Hrant Dink. Devemos fazer tudo aquilo que for possível para fortalecer a posição dessas figuras e evitar o extremo do revisionismo histórico.

Sessenta anos (e milhões de documentos históricos) depois, o mundo ainda precisa se defrontar com aqueles que negam o Holocausto. Basta apenas lembrar os escritos e palavras do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, sobre esse fato.

Em resposta a essas negações, todas as pessoas com uma mente decente, e os judeus em particular, devem continuar afirmando, em alto e bom som, 'Nunca novamente' - não só em relação aos futuros genocídios, mas também às tentativas de negação de genocídios passados, não importa quais foram os autores ou as vítimas.

*Daniel Sokatch é diretor-executivo da Progressive Jewish Alliance

**David N. Myers é professor de história judaica na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Artigo escrito para o jornal 'Los Angeles Times'

Estadão: http://txt.estado.com.br/editorias/2007/05/06/int-1.93.9.20070506.10.1.xml

Um comentário:

Unknown disse...

os judeus deveriam reconhecer a paradigmaticidade do genocídio armênio, e a criação nele, de vários mecanismos usados para o holocausto 20 anos depois...